quarta-feira, 28 de maio de 2008

Bilhete

"Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria."- Pablo Neruda.

Te encontro no final do dia.


Depois deste bilhete o dia não passava. Os ponteiros do relógio estavam estagnados. O sol não queria se recolher.

Camila não conseguiria mais trabalhar. Decidou então fazer uma lista de prováveis pretendentes.

Julio - Gerente de contas.
Carlos - Supervisor de atendimento.
César- Aquele cliente que vive fazendo hora na minha sala.
Alfredo - Diretor de operações.

Tinha a certeza que um dos quatro era o seu pretendente. Eram homens inteligentes, educados, e que provavelmente teriam a sensibilidade de mandar um poema de Pablo Neruda.

O dia acabou. O autor de uma das mais belas declarações que Camila recebera, não apareceu.
Desapontada, fechava sua sala.

Ao apagar a luz levou um susto com a presença de Seu Romualdo:

- Seu Romualdo! Que susto. Achei que o senhor já tinha ido embora. Hoje não é o dia de limpar a minha sala.

- Desculpe se te assustei. Mas estava te esperando. Não sei se contei para senhora, mas sou um profundo admirador de Pablo Neruda.

- Seu Romualdo, desculpe se não posso falar com o senhor agora. Estou com muita pressa. Outro dia conversamos sobre o seu gosto literário.

A resposta estava bem ali. Nada de gerente, supervisor, diretor, era o Seu Romualdo - faxineiro. Um faxineiro que conhece Neruda, mas mesmo assim, faxineiro. Sentia-se envergonhada por ter esperado tanto por aquela revelação.

Fechou a sala e foi embora. Romualdo ficou ali, parado, olhando sua amada ir embora sem dizer sequer uma palavra sobre o bilhete. Em uma das mãos, um botão de rosa.

Talvez fosse o momento de se colocar em seu lugar, pensou Romualdo. Mas logo este pensamento sumiu. Não existe razão para as coisas do coração. Colocou a rosa em um copo com água, pegou um papel e uma caneta, e começou a escrever um poema de sua autoria.

O nome já estava mais que decidido, Camila.

Camila nunca recebeu o poema feito em sua homenagem. Alfredo a despediu por telefone no dia seguinte.

Sem emprego, hoje vende produtos Avon para se sustentar. Sem amor, hoje pensa na oportunidade que perdera em ter tido um homem que a amava de verdade.