quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Opereta

O telefone tocou naquela manhã fria de domingo.

É uma ótima maneira de começar a contar esta história. Telefones que tocam em uma tarde fria.

Um amigo havia salvado “I´ll survive” como ringtone. O Marcos acabou com a minha história. Como posso dar o tom de suspense a uma história que começa com um telefone tocando “I´ll survive” ?

Atendi ao telefone. A voz do outro lado era de mulher, coisa rara nos últimos tempos.

- Padilha, Marília. Lembra de mim?

Porra, como não lembrar da desgraçada da Marília? A vagabunda da Marília fez parte de praticamente toda a minha adolescência. Lembro que ela adorava provocar os meninos e deixá-los, literalmente, na mão.

No último ano do colégio nós namoramos. Um dia ela veio com uma história de que o amor tinha acabado. Me deu um ponta pé.

- Marília? De onde?

O prazer de fazer esta pergunta foi inenarrável. Ela não poderia se achar o número 32 da folhinha pelo resto da vida.

- Marília que namorou com você no colegial.

- Ah, a Marília Fonseca?

Com isso eu dei a entender que dei uns pegas na Marília Albuquerque.

- Sim, a Fonseca.

- Fala, Marília. Quanto tempo! Como você está?


- Péssima, Padilha, péssima. Preciso de sua ajuda. Você foi a primeira pessoa que eu pensei. Consegui seu telefone com o Marcos.

Aquela alma imunda fez de propósito. Colocou “I´ll survive” porque sabia que esta vaca iria me ligar. Ela que vá “survive” na puta que a pariu.

- O que aconteceu?

- Não posso falar por telefone. Posso passar na sua casa?

Uma hora depois daquele telefonema bizarro.

Marília tomava um chá verde na poltrona da minha sala.
Ela continuava linda. Belos seios, olhos castanhos amendoados, cabelos negros e cumpridos, e aquela pele alva e macia.

- Eu sei que você não fala com sua irmã já faz mais de seis anos. E que desde que ela foi para Londres com a Marcela sua família a esqueceu. Mas agora é diferente. Estávamos morando aqui no Rio de Janeiro desde fevereiro. Parecia tudo bem. Estávamos felizes, sabe. Ontem nós brigamos. Ela fez uma mala no meio da madrugada. Só deixou este bilhete.

“Marília, tenho notado que você simplesmente deixou de me amar. Não posso continuar ao lado de alguém que já não me ama mais. Aliás, não sei se posso viver sem o nosso amor. Talvez seja a hora de parar. Beijos, da sempre sua, Joana”.

- Temo pela vida dela, Padilha. Já liguei para todos nossos amigos em comum, ninguém sabe dela. Estou muito aflita.

Fiquei atônito por muitos minutos. Além de ter me torturado por meses, esta vagabunda pegou minha irmã caçula.

Andei até o bar e peguei uma dose. Era muita informação para uma manhã de domingo. Minha irmã era lésbica, e namorava com a minha ex.

“I´ll survive” toca novamente. Desta vez era Joana.

- Padilha, liguei para lhe pedir desculpas por tudo que aconteceu. Eu não queria te magoar. Apesar de tudo somos irmãos. Eu não quero ir embora sem que você me perdoe. É só isso que eu quero. Me perdoa?

- Claro que sim. Mas pra onde você vai?

- Vou voltar para Londres.

- Cuide-se. Te amo muito.

- Desculpe, era a minha namorada.

- Marília, acho que a Joana vai se matar. E a culpa disso tudo é sua. Esta sua mania ridícula de alegar que a porra do amor acabou. Porra, você não consegue mentir? Diga que você quer ficar sozinha, que encontrou outra pessoa, que quer ser freira, ou ainda que decidiu morar no Marrocos. Mas não venha com esta de que o amor acabou. Minha irmã vai se suicidar por causa deste seu amor nojento que acaba por qualquer coisa. Eu te amei e você me jogou fora como se faz com o jornal de ontem, sem a menor consideração, sem ao menos dar umazinha.
Você tem noção que eu tive acne por sua causa? Você consegue imaginar quantos banhos frios eu tive que tomar só porque você queria casar virgem? Agora você come a minha irmã e vem me contar. Que tipo de pessoa você é? Saia da minha casa.

Ela começou a chorar. Chorava, e arrancava uma peça de roupa. Transamos no chão da sala. Ela quis compensar os meus anos perdidos, e suprir o mal que fez à Joana. Eu, macho que sou, aceitei a proposta. Depois de ter gozado, disse à ela que Joana estava bem, e que tinha voltado para Londres.

Ela disse que me odiava. O ódio dela foi bem mais sincero que o amor.